terça-feira, 30 de setembro de 2014

Para sempre


“Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
(...)
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.”

Inconfesso desejo


*“Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo.”

*Carlos Drummond

sábado, 27 de setembro de 2014

Retrospectiva


“Porque a vida é feita de proibições,
eu não compus todas as canções,
não percebi a brisa suspirar,
eu esqueci cantigas de ninar,
dei chances demais à voz dos credos,
não rompi de vez todos os medos,
roubei do tempo um tanto de carinho,
não vi a flor amar o passarinho,
perdi o trem na curva da vertente
e não deixei o mel melar completamente.
Porque a vida é feita de proibições,
(...)
rompa-se a teia, reveja-se o estatuto,
que a primavera quer amar o chão de vento.”

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Humanitismo

“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos.(...)ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A flor e náusea


“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. (...)
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(...)”

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Boato da Primavera


“*Chegou a primavera? Que me contas!
Não reparei. Pois afinal de contas
nem uma flor a mais no meu jardim,
que aliás não existe, mas enfim
essa ideia de flor é tão teimosa,
que no asfalto costuma abrir a rosa
e põe na cuca menos jardinília
um jasmineiro verso de Cecília.
Como sabes, então, que ela está aí?
Foi notícia que trouxe um colibri
ou saiu em manchete no jornal?
Que boato mais bacana, mais genial,
esse da primavera? (...)”

Do poema "Boato da Primavera" de *Carlos Drummond.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Magrelinha


*“O por do sol vai renovar brilhar de novo o seu sorriso
E libertar da areia preta e do arco-íris cor de sangue, cor de sangue...
O beijo meu vem com melado decorado cor de rosa
O sonho seu vem dos lugares mais distantes terras dos gigantes (...), 
super eu...
Deixa tudo em forma é melhor não sei
Não tem mais perigo digo já não sei
Ela está comigo o som e o sol não sei
O sol não advinha baby é magrelinha
(...)”

Canção de *Luiz Melodia

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O Elefante


“Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.”

Imaginação


*“Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos(...)”

Parte do poema “O Elefante” de *Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Poema poroso


*“De terra te quero;
                          poema,
e no entanto iluminado.

                                     De terra
o corpo perpassado de eclipses,
poroso
poema
            de poeira –
            onde berram
suicidas e perfumes;
                                 assim te quero
sem rosto
e no entanto familiar
                               como o chão do quintal
(sombra de todos nós depois
                  e antes de nós
quando a galinha cacareja e cisca).

                                   De terra,
onde para sempre se apagará
                 a forma desta mão
                 por ora ardente.”


Poema encontrado na obra “Barulhos”, de *Ferreira Gullar. Há algo que quer ser revelado e outra força que quer ocultar.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Amor e Ternura


*“Não sei... Se a vida é curta ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, Se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. (...)é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, Mas que seja intensa, verdadeira, pura...”

*Cora Coralina

sábado, 13 de setembro de 2014

Eu


*“Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
(...)

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!”

*Florbela Espanca

Mistério d'amor



“Um mistério que trago dentro em mim
Ajuda-me
, minh'alma a descobrir...
É um mistério de sonho e de luar
Que ora me faz chorar, ora sorrir!

Viemos tanto tempo tão amigos!
E sem que o teu olhar puro toldasse
A pureza do meu. E sem que um beijo
As nossas bocas rubras desfolhasse!

Mas um dia, uma tarde... houve um fulgor,
Um olhar que brilhou... e mansamente...
Ai, dize ó meu encanto, meu amor:

Porque (...)
Nos olhamos assim tão docemente
Num grande olhar d'amor e de saudade?!”

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Pergunta-me


*"Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria 
e o tropel de mil cavalos(...)

(...)pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer.”

*Mia Couto, in “Raiz de Orvalho”

Amor-Perfeito


Naquela nuvem, naquela,
mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.

Os sonhos foram sonhados,
e o padecimento aceito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Imensos jardins da insônia,
de um olhar de despedida
deram flor por toda a vida.

Ai de mim que sobrevivo
sem o coração no peito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Longe, longe, atrás do oceano
que nos meus olhos se aleita,
entre pálpebras de areia...

Longe, longe... Deus te guarde
sobre o seu lado direito,
como eu te guardava do outro,
noite e dia, Amor-Perfeito.

Motivo


*“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.”

Eu também canto qual poema de *Cecília Meireles.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Lua adversa


*“Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua)

No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...”

Poesia de *Cecília Meireles

A arte de amar


A Natureza com *Cecília Meireles:

*"Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira."

*"Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:

Tão vazia, mas tão bela
Tão certa, mas tão perdida!"

*"Adestrei-me com o vento e minha festa é a tempestade.

*"Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa."

*"Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura.
Sinto-me toda igual às árvores: solitária, perfeita e pura."

É preciso amar


*“Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender.

Dorme agora:
É só o vento lá fora.
Quero colo
Vou fugir de casa
Posso dormir aqui
Com vocês?
Estou com medo tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três.

(...)

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar,
Na verdade não há.”


Parte da canção *“Pais e Filhos”, composição e música de Legião Urbana.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Fome


“A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
(...)
o céu é bruma, está frio, estou feia,
(...): não quero faca nem queijo.
Quero a fome”

É inútil ter queijo se não tenho fome. Mas se estou com fome, vou dar um jeito de arranjar um queijo...

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sob Medida



“Se você crê em Deus
Erga
as mãos
Para os céus
E agradeça
Quando me cobiçou
Sem querer acertou
Na cabeça
Eu sou sua alma gêmea
(...)
Sou sem nome
E sem lar
Sou aquela
Eu sou filha da rua
Eu sou cria da sua
Costela
Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus
Se você crê em Deus
Encaminhe
pros céus
Uma prece
E agradeça ao Senhor
Você tem o amor
Que merece.”

Doce Presença


“Sei que mudamos
desde o dia que nos vimos
li nos teus olhos
que escondiam meu destino
luz tão intensa,
a mais doce presença
no universo desse meu olhar
nós descobrimos
nossos sonhos esquecidos
e aí ficamos cada vez mais parecidos
mais convencidos,
quanto tempo perdido
no universo desse meu olhar
como te perder
ou tentar te esquecer
ainda mais que agora sei
que somos iguais e se duvidares,
tens as minhas digitais
 (...)
tenho fé na loucura
de acreditar que sempre

estás em mim.”

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Acordar, viver

Por Lislair Leão Marques

“Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.”

O ronron do gatinho

Por Lislair Leão Marques

"O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.

Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.

É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso faz ronron
para mostrar gratidão.

No passado se dizia
que esse ronron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,

calúnias contra o bichinho:
esse ronron em seu peito
não é doença -é carinho."

sábado, 6 de setembro de 2014

Prece por Kolody


Uma prece que me encanta: da poetisa *Helena Kolody, quando o amor ficou sendo só um sentimento, um sonho. Ela soube muito bem transformar esses sentimentos em palavras melodiosas. Seus versos carregados de um lirismo puro, que embalam reminiscências de amores de outrora quando não era vergonhosa a expressão verdadeira dos sentimentos:

*“Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
De ser o coração singelo que perdoa,
A solícita mão que espalha, sem medidas,
Estrelas pela noite escura de outras vidas
E tira d’alma alheia o espinho que magoa.”

As sem-razões do amor


*“Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
(...)

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.”

*Carlos Drummond

Poema da purificação


*“Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.”

Autoria do poeta, cronista, contista, escritor e tradutor brasileiro, *Carlos Drummond de Andrade. Sua obra traduz a visão de um servidor público individualista comprometido com a realidade social.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Multiplicar


*"Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo."


Poema de *Cecília Benevides de Carvalho Meireles que foi uma importante poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.