quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Paciência

Por Lislair Leão Marques

*(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
(...)

*Drummond

Procura da Poesia

Por Lislair Leão Marques 

*(...)Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.


Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Parte do poema “Procura da Poesia” do poeta *Carlos Drummond de Andrade.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Indigestão


Por Lislair Leão Marques

Desencantei-me de ti pela tua falta de atenção. Não sei porquê, se é fato, mal me desejaste. Mas veja bem, eu estou acordada! Antes de tudo, que tudo se transforme em pedra, que as minhas palavras de sal molhem o teu telhado. Espera! Espera! Espera antes que a pedra se consolide. Porque se me desejaste mal e pedra não consigo mais digerir. Aí... não mais me representas. Por tuas marcas e sinais, assim demonstras que isto o quer. Estou acordada, atente-se... desencantei-me de ti pelo teu sôfrego ser.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Arquitetura Sobrevivente

Por Jacques Duarte Cassel

Poesia vencedora, no Concurso Literário “Arquitetura de Caçapava do Sul em 88 palavras”– 183 anos”

Guardiões do Tempo


Por Oldemar Santos

Crônica vencedora, no Concurso Literário “Arquitetura de Caçapava do Sul em 88 palavras”– 183 anos”

O moderno e o clássico se misturam nas cores e arquitetura da cidade. Em alguma casa ainda pode ter um retrato na parede emoldurado pelo tempo. Os gritos de heróis e anti-heróis estão enclausurados nas brechas dos paredões dos casarões do início do século. Poucos restaram é verdade, não estamos conseguindo cuidar da nossa identidade. A paisagem se modifica através do tempo e o homem não tem força e coragem para apreciar sem mexê-la, apenas contemplando o que outros nos entregaram de herança como guardiões de uma época.

Arquitetura em Cena


Por Jacques Duarte Cassel

Crônica classificada, no Concurso Literário “Arquitetura de Caçapava do Sul em 88 palavras”– 183 anos”

Gravando! Imaginemos uma grua com uma câmera filmando, com suavidade, o Forte Dom Pedro Segundo. Faz tomadas de todos os planos. De dia, na primavera e verão, inclui as andorinhas em voos circulares; à noite pode detectar uma lua cheia avermelhada emergindo na altura de suas paredes. Desloca-se em direção ao centro de Caçapava e registra a Igreja Matriz, seus anjos e as pombas que a circundam. Prossegue até a Casa dos Ministérios: desolação. Vai adiante, sondando, com zoom, antigas edificações, revelando-nos detalhes de uma arquitetura de cinema.

A Arquitetura de Caçapava no Futuro

Por Lislair Leão Marques

O verde de mansinho se expande... arbustos e árvores acobertam as ruínas edificadas de cor ocre e cheiro insalubre. Quadrados edifícios se apoderam nas quadras da cidade e se configuram o progresso da cidade. Caçapava do Sul, nestes tempos, quer ser cosmopolita e desenvolvida a qualquer resultado. Mesmo que para tal condição, a demolição e desatenção de antigas casas, cujo valor é inestimável para memória dos caçapavanos – que não se entregaram em outras eras – sejam demolidas. Isto é um estilo arquitetônico, que certamente falarão as nossas gerações precursoras.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O que me toca

Por Lislair Leão Marques 

Dos tantos livros que li, nossa memória extrai nome e autores de poucos. Aqueles que como as pessoas, nos marcam. Não sei o motivo que se revela, mas nos tornamos íntimos destas coisas ou pessoas na maneira que nos tocam. Claro que esta intimidade diz muito o quem somos ou da nossa vida. Marcar é tocar os meus sentidos. Por exemplo: os livros que me marcaram para sempre foram os que me libertaram ou transformaram minha percepção. O que nos toca é aquilo que nos liberta o olhar.

sábado, 11 de outubro de 2014

Liberdade


Sempre é bom rever *Rui Barbosa, em época de eleições:

“A especulação é no comércio uma necessidade; é nos abusos, uma inconveniência; mas entre as inconveniências dos abusos e a necessidade do uso, esta, em todos os casos dessa espécie a liberdade, que deve ser respeitada, porque se em nome de abusos possíveis nos quiserem tirar a liberdade do uso, talvez não nos deixem água para beber.”

“Não é a terra que constitui a riqueza das nações, e ninguém se convence de que a educação não tem preço".

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Murmúrio


*“Traze-me um pouco das sombras serenas 
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança, 
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!”

Poema da poetisa *Cecília Meireles que nasceu em 7/11/1901.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Primeiro motivo


*“Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula, que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.

Meus olhos te ofereço:
espelho para face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.
Então, de seda e nácar,

toda de orvalho trêmula, serás eterna. E efêmero
o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho … E frágil.”

Lindo poema que tem como título “Primeiro o Motivo da Rosa” da grande escritora e poetisa brasileira *Cecília Meireles.

Retrato


*“Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?”

Poema da escritora brasileira *Cecília Meireles encontrado na Obra poética, Volume 4, Biblioteca luso-brasileira: Série brasileira. Companhia J. Aguilar Editora, 1958, p. 10.